O Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, é um dos maiores tesouros culturais do Brasil, e seu principal evento, o Festivale – Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, representa a alma e a resistência de seu povo. Recentemente, o Instituto Sociocultural Valemais enviou uma carta ao Movimento Cultural da região destacando a importância de revitalizar essa celebração que há 45 anos encanta e preserva nossas tradições. O documento reforça que o festival não pertence a uma única entidade, mas é um patrimônio imaterial de todos que amam e constroem a cultura local, exigindo uma gestão mais transparente, democrática e inclusiva para garantir sua continuidade.
A renovação do Festivale é não apenas desejável, mas necessária. Como aponta a carta do Valemais, movimentos culturais que permanecem sob a mesma gestão por longos períodos tendem a desenvolver vícios, opacidade e resistência à inovação. Para manter viva a chama da cultura do Vale, é imperativo que o festival se reconstrua constantemente, acolhendo novas ideias, lideranças e perspectivas que oxigenem sua estrutura. A atual situação jurídica da FECAJE, historicamente responsável pelo evento, demonstra a urgência de repensarmos o modelo de organização, garantindo que o festival possa acontecer em toda sua plenitude, dentro da legalidade e com transparência.
Diante deste cenário, propõe-se a criação de uma nova instância de organização que verdadeiramente represente a diversidade do movimento cultural do Jequitinhonha. Esta estrutura deve ser construída coletivamente, ouvindo todas as vozes interessadas – artistas, mestres da cultura, produtores, gestores e também aqueles que, mesmo fora das divisas geográficas do Vale, dedicam suas vidas a celebrar e projetar sua riqueza cultural. A nova governança precisa ter legitimidade e capacidade legal para realizar o evento em nome de todo o movimento, superando os impasses atuais e garantindo que o festival continue sendo um espaço de resistência, criatividade e celebração da identidade local.
Acredito que uma solução inovadora e democrática seria a formação de um conselho integrado por um pool de entidades culturais que atuam com a cultura da região, que se responsabilizariam coletivamente pelo Festivale. Neste modelo, a cada dois anos, uma entidade diferente seria sorteada para assumir a gestão executiva do evento, contando com o apoio e participação de todas as demais integrantes do conselho. Este sistema de rodízio garantiria a renovação constante, evitaría o acúmulo de poder e promoveria a partilha de experiências entre diferentes grupos. Além disso, criaria um mecanismo de prestação de contas mais eficiente, pois cada gestão seria avaliada pelas próprias entidades parceiras, fortalecendo a transparência e a responsabilidade mútua.
Para ampliar ainda mais o alcance e a visibilidade da cultura do Vale através do Festivale, poderiam ser implementadas diversas iniciativas complementares. A criação de uma plataforma digital dedicada ao festival, com conteúdo audiovisual das apresentações, entrevistas com artistas e mestres da cultura, e um banco de dados sobre as manifestações culturais da região, permitiria que o conhecimento gerado no evento se multiplicasse além dos dias de celebração. Parcerias com universidades e centros de pesquisa poderiam gerar publicações acadêmicas, documentários e exposições itinerantes. Além disso, a realização de edições satélites do festival em outras cidades brasileiras, com curadoria compartilhada entre artistas locais e do Vale, criaria pontes culturais e ampliaria o público para as expressões artísticas da região. A criação de um selo “Cultura do Vale” poderia certificar produtos e projetos que utilizem e valorizem os saberes e fazeres tradicionais, gerando renda e reconhecimento para os artistas e artesãos.
O momento atual é de coragem para transformar. Como bem expressa a carta do Valemais, o impasse jurídico não pode ser um entrave, mas sim o fogo que aquece o desejo de renovação. O Festivale é mais que um evento; é a expressão máxima da resistência, da criatividade e da diversidade do povo do Jequitinhonha. Ao construirmos juntos um novo modelo de gestão, transparente e democrático, estaremos garantindo que este patrimônio cultural continue vivo e relevante para as futuras gerações. Que o festival reflita, com a mesma grandeza, a força e a beleza de seu povo, tornando-se cada vez mais um farol a iluminar a riqueza cultural não apenas do Vale, mas de todo o Brasil. A renovação do Festivale é, em última análise, a renovação do próprio compromisso com nossa identidade cultural.